O Agorismo no Século XXI

Por Lacombi Lauss

“Os escritos de Konkin devem ser bem-vindos. Porque nós precisamos de muito mais policentrismo no movimento. Porque ele abala os partidaristas que tendem a cair em impensada complacência. E especialmente porque ele se importa profundamente com a liberdade e é capaz de ler e escrever, qualidades que parecem estar saindo de moda no movimento libertário.”
– Murray N. Rothbard

O cenário atual: uma visão otimista

Poucos anos atrás, o adolescente que criava uma banda de rock com amigos era tido como um pequeno astro e prontamente ganhava fama com seus colegas de escola. Hoje, bem menos: o rock já não é tão popular como em décadas passadas. Mas essa não é a mudança mais relevante que tivemos. Uma tendência vem surgindo entre os mais jovens: o desenvolvimento de startups [1]. Eis a mais nova prática cool do momento. Segundo a pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras 2014, realizada pela Endeavor e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), seis em cada 10 universitários brasileiros pensam em empreender. Ainda de acordo com a pesquisa, os negócios que mais esperam crescer nos próximos cinco anos são aqueles

Samuel Konkin III
Samuel Konkin III

considerados mais inovadores. É o caso de startups. A Associação Brasileira de Startups (ABStartups) tem em seu registro mais de 3 mil startups brasileiras. Todas elas aproveitam a descentralização do setor e o baixo de custo dos investimentos para tentar inovar no mercado e fazer fortuna. Boa parte das inovações no setor visam diminuir burocracias, conectar pessoas com interesses comuns, facilitar buscas por determinados serviços entre outras funções. Os casos mais famosos ilustram bem como novas tecnologias vem revolucionando a economia. O Uber é a maior empresa de táxis do mundo e não possui nenhum veículo em sua frota; a Alibaba é a varejista virtual mais valorizada do mundo e não tem nenhum produto em estoque, e a Air BNB é a maior empresa de reserva de hospedagens do mundo e não é proprietária de nenhum imóvel. É a descentralização e o voluntarismo se mostrando como eficazes formas de interação. Há ainda exemplos de startups com projetos mais audaciosos como a Bloom Energy que converte células de combustível para converter gás natural em eletricidade para utilizar essa fonte de energia em prédios comerciais, varejistas, centros de dados e outras localidades para consumidores. Ou ainda a Moderna Therapeutics, uma startup de biotecnologia que utiliza o RNA mensageiro para instruir as células do corpo para criarem as proteínas e anticorpos para combater todos os tipos de doenças, de diabetes e doenças do coração até certos cânceres.

Essa onda de crescente descentralização favorece significativamente os meios para nos esquivar de intervenções estatais, não só em nossa vida pessoal mas, mais geralmente, em toda a economia. O caso mais famoso do uso de tecnologias descentralizadas para boicotar regulações do governo é o Bitcoin – o primeiro e mais importante dinheiro eletrônico sem autoridade central, baseado numa tecnologia open-source inédita chamada Blockchain, desenvolvida por Satoshi Nakamoto em janeiro de 2009. Outras alternativas vem surgindo. Uma de destaque é a empresa TransferWise que permite que os usuários façam transferências internacionais de dinheiro entre 292 localidades – com planos de adicionais mais 300 neste ano. Diferentemente dos grandes bancos, a TransferWise cobra uma taxa de 1% por transações menores que US$ 5 mil e 0,7% por transações maiores. A empresa afirma ser oito vezes mais barata que os bancos. Já com o aplicativo Waze é possível, além de otimizar o tempo no trânsito, optando por vias menos obstruídas, se esquivar de blitz policiais e evitar de ser surpreendido em bloqueios estatais. Várias outras alternativas tecnológicas podem ser usadas com o propósito de boicote ao estado. Tal ideia, contudo, não é tão recente como as propostas aqui listadas.

O agorismo de Samuel Konkin

Samuel Edward Konkin III (1957 – 2004), também conhecido como SEK3, foi um libertário canadense criador de um método de ação libertária que ele denominou agorismo. É autor do pequeno livro “O Novo Manifesto Libertário” onde expõe a sua visão do estatismo na época e sua tática para chegar em uma sociedade de livre-mercado. Konkin definiu um agorista como um praticante consciente da “contra-economia”. O objetivo dos agoristas é uma sociedade na qual todas as “relações entre as pessoas são de trocas voluntárias – um livre mercado”. O termo vem da palavra grega “Ágora”, um local aberto para assembleias e mercado nas antigas cidades-estados gregas. Ideologicamente, é um termo representando um tipo revolucionário de anarquismo pró-mercado. A característica que distingue o agorismo de outras táticas anarquistas é que sua estratégia tem por ênfase uma contra-economia de boicote, entendida como atividades pacíficas de mercados negros livres do pagamento de impostos e regulamentações de governos. Segundo trecho do referido livro:

“Com o estado contaminando todo ato e sujando nossas mentes com culpa desmerecida, se torna extremamente importante entender as consequências sociais de nossos atos. Por exemplo, se nós não pagarmos impostos e conseguirmos sair impunes, quem será prejudicado? Nós? O estado? Inocentes? A análise Libertária nos mostra que o Estado é responsável por qualquer dano a inocentes que ele alega que o ‘sonegador de impostos egoísta’ causou; e os ‘serviços’ que o estado nos ‘provê’ são ilusórios. Mas mesmo assim, é necessário haver mais do que uma resistência engenhosamente escondida ou desistências? Se um partido político ou exército revolucionário é inapropriado e auto-destrutivo para os objetivos libertários, que ação coletiva funciona? A resposta é o agorismo.”

A tática exposta por Konkin consiste na prática sistemática de boicote ao estado e à economia regulada. Os simples atos de preferir uma carrocinha de hot-dog a uma grande corporação de fast food ou de optar pela compra de uísques contrabandeados em detrimento daqueles em prateleiras de mercado já contam. As novas tecnologias descentralizadas ou descentralizadoras podem ser grandes aliadas, facilitando o anonimato, quebrando barreiras físicas e conectando libertários com interesses em comum.

A vantagem aqui é que, uma vez colocada em prática uma medida de contra-economia, o agorista tem um benefício inerente ao ato, já que economias autoreguladas tendem a gerar mais benefícios tanto para os empreendedores quanto para os consumidores. Como bônus, temos um enfraquecimento da estrutura estatal. Mais ainda, sendo uma ação de boicote, ela não precisa da aprovação de terceiros e nesse sentido, o agorismo é individualista, i.e., a prática permite ganhos na medida em que o indivíduo se torna menos dependente do estado. Trata-se de uma secessão forçada, independente de meios políticos. O avanço do número de adeptos das táticas de contra-economia bem como das medidas de segurança e anonimato permitem uma verdadeira revolução econômica, drenando recursos do vínculo do estado corporativo, até que a contra-economia de livre mercado finalmente suplante completamente o sistema de capitalismo de estado.

Ao longo da história, podemos citar, entre outros, dois exemplos bastante distintos em grau e contexto. O primeiro, mais conhecido, aconteceu na Alemanha nazista onde o comportamento de alguns empresários (não todos, pois é bem sabido que alguns empresários queriam o nazismo ou mesmo o criaram) serve como exemplo perfeito de agoristas evadindo os controles de preços introduzidos em 1936 [2]. O segundo ocorreu na Turquia [3] ao longo das manifestações 2013 e vem se estendendo até os dias de hoje graças às respostas truculentas do estado turco. Lá Bitcoins foram usados para transferência anônima de dinheiro entre a população e também para o recebimento de doações internacionais. Outra tática usada foi o Bitmessage. Trata-se de uma tecnologia desenvolvida para resolver problemas de envio de mensagens anônimas – já que técnicas de criptografia de e-mails não estavam resolvendo. Bitmessage é um sistema de mensagens criptografado, peer-to-peer, informal, descentralizado e de código aberto que pode ser usado da mesma forma que um usuário utiliza um e-mail. A entrega da mensagem não depende de nenhum servidor central, e toda a informação da mensagem – incluindo quem envia e quem recebe – é criptografado automaticamente.

Konkin fez questão de enfatizar o fato do boicote econômico ao estado ser consciente, a fim de que possa ser considerado agorista. Isso nos leva à importância  do papel das ideias em qualquer tática libertária pacífica – em particular no agorismo. Mises sempre dizia que ideias são mais poderosas do que exércitos. Como escreveu Lew Rockwell [4]:

“As ideias ignoram as fronteiras. Elas não são inibidas por meras questões espaciais. Elas são perfeitamente capazes de atravessar os limites do tempo. Elas crescem e se difundem por meio de ações e decisões individuais sobre as quais absolutamente ninguém possui controle algum. No final, o fato é que os governos são incapazes de gerir e impor as ideias. Muitos são, inclusive, emasculados por elas.”

O agorismo será completamente ineficaz se não deixar claras suas propostas libertárias anti-agressão. Assim, onde há uma contra-economia é dever do agorista apontar e denunciar a gangue responsável pela sua existência: o estado. Onde há libertários, é dever do agorista apontar a contra-economia como uma das principais armas libertárias para desestabilizar os monopólios forçados pelo crime.

Agorismo versus ação política

Sendo uma estratégia radical de boicote ao estado, o agorismo de SEK3 rejeita enfaticamente a atuação política, bem como o voto. Os libertários, dizia ele, devem abandonar a ação política. Em vez disso, devem ignorar o estado em suas vidas diárias na medida do possível. A política eleitoral precisa ser rejeitada, na teoria e na prática, como incompatível com os princípios libertários. O estado precisa encobrir suas ações em uma aura de legitimidade moral, a fim de sustentar seu poder, e os métodos políticos invariavelmente fortalecem essa legitimidade.

Em teoria, é fácil de ver o porquê de se rejeitar a política, uma vez que do contrário ter-se-ia um gradualismo, o que, por sua vez, distancia os libertários de sua meta final. Na palavras de Rothbard [5]:

“O gradualismo na teoria de fato mina a própria meta ao admitir que ela deva ficar em segundo ou terceiro plano em relação a outras considerações não-libertárias, ou até mesmo antilibertárias; pois uma preferência pelo gradualismo implica que estas outras considerações são mais importantes que a liberdade.”

E na prática? Bem, antes de mais nada é preciso ressaltar que, se uma lei amplia as liberdades de contrato entre os indivíduos sem danos às propriedades justas, então ela precisa ser prontamente apoiada pelos libertários. O mesmo ocorre com leis que diminuem a pilhagem estatal sobre propriedades privadas – como reduções de impostos. Contudo, o apoio a políticos e partidos se mostra uma prática com péssima relação de custo/benefício. Em primeiro lugar, somente indivíduos agem. Massas, povos e coletivos não votam. A ação do voto por parte do indivíduo tem uma chance ridiculamente pequena de alterar o cenário político. No caso de presidente do Brasil, a probabilidade é menor que a de vencer a Mega Sena duas vezes seguidas. Assim, como é de costume, mais recursos precisam ser gastos. Imprimem-se panfletos, fazem-se passeatas, carreatas, programas de tevê e rádio, banners e sites de internet. O custo é altíssimo e por isso geralmente recorre-se a grandes empresas. O problema é que a maioria delas – como já é de se esperar – não faz doações mas sim investimentos, distorcendo as propostas originais do político. Ainda distorcidas, nada garante que o burocrata, uma vez no poder, vá colocá-las em prática. Para isso ele vai precisar de apoio de parlamentares e outros partidos. As principais reformas são ainda mais delicadas pois necessariamente afrontam a constituição. Um apoio ainda maior se faz necessário. Os problemas não param por aí. Mesmo que alguma reforma periférica seja feita, nada impede minorias demagógicas e populistas de fazerem um lobby para revertê-la. Ou ainda que no futuro outro político reverta – ou piore – o quadro. O resultado é que o ativista político estará condenado a ser escravo do sistema democrático, sempre a pedir esmolas para que políticos lhe concedam uma liberdade que lhe é naturalmente de direito. É uma perda de tempo e energia, além de humilhante: a condição de servo permanece inalterada.

Um político, digamos, candidato à presidência em segundo turno, precisa de mais de 51% dos votos válidos para se eleger. Independentemente do político, sua vitória não irá representar uma vitória da liberdade, pois ele estará sujeito às regras democráticas – o governo é apenas alterado, mas a sustentação de seu poder, i.e., o aparato estatal, em essência continua a mesma. Mas e se, ao invés de votar, 5% da população passar a poupar e investir em Bitcoins? Nesse caso, a estrutura de poder estatal estará gravemente ameaçada, podendo ruir até mesmo no curto prazo a depender da consciência (anti) política da população. E se 20% da população passar a ignorar as instituições de educação reguladas, praticando homeschooling, por exemplo? A ideologia do estatismo estaria em ruínas. E se 10% da população passar a fazer trocas de bens em mercados “informais” e desregulados munindo-se de apps descentralizados para isso? Novamente, isso seria uma ameaça real à existência do estado. De modo geral, quando 10% da população entender e adotar as noções de autopropriedade e de não-agressão, o império pode ser completamente ignorado fora de sua existência. A simples desobediência civil dará conta do recado; a resistência real (enquanto justificada e provavelmente útil) nem sequer seria necessária. Os maníacos por controle não têm nem de longe os recursos para subjugar à força 20.000.000 pessoas que se recusam a serem governadas. Por outro lado, se esse mesmo 10% recusar os princípios libertários e passarem a votar no seu parasita predileto, eles não terão alterado absolutamente nada.

As táticas agoristas apresentam portanto três vantagens frente às políticas, a saber, (i) geram um benefício imediato para quem as coloca em prática, (ii) não dependem da aprovação de burocratas e (iii) requerem menor adesão para causar sérios danos ao estatismo. Toda ação política minimiza o agorismo ao dar legitimidade ao estado e ao deixar em segundo plano o necessário boicote libertário aos governos. Devem então ser prontamente descartadas em prol da superioridade teórica e prática de ações contra-econômicas.

Notas

[1] Para ver alguns exemplos no Brasil e no mundo, acesse: http://app.folha.uol.com.br/#noticia/520811, http://g1.globo.com/tecnologia/blog/startup/post/com-15-anos-jovem-irlandes-ja-abriu-duas-startups-e-preparada-terceira.html,
http://info.abril.com.br/noticias/internet/jovem-de-18-anos-cria-startup-de-us-5-mi-24032011-13.shl,
http://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2014/07/jovem-aposta-em-marketing-na-web-para-ter-faturamento-milionario.html,
http://dinheirama.com/blog/2013/03/27/jovem-de-17-anos-vende-startup-para-yahoo-30-milhoes/,
http://startse.infomoney.com.br/portal/2015/05/27/12086/garotos-de-18-e-22-anos-criam-tinder-do-aluguel-e-levantam-us-500-mil/ .

[2] Para detalhes, veja The Vampire Economy: Doing Business under Fascism, Günter Reimann.

[3] Sobre o agorismo na Turquia, veja http://fee.org/freeman/detail/agorisms-tech-triumvirate

[4] Citação tirada de: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=656

[5] Citação tirada de: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1718

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